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Tem alguém lá fora

sexta-feira, 26 de julho de 2013

São quatro da manhã. Se não fosse a luz do corredor que entra pela pequena fresta da porta, o quarto estaria completamente escuro. Beatriz ainda não conseguiu dormir. Muita coisa aconteceu nessa noite, e sua cabeça agora está repleta de pensamentos. Alguns até indesejáveis. Talvez se conseguisse esquecer certas coisas seria mais fácil. Mas isso não é um problema para ela. Até parece gostar.

Foi a primeira vez que saiu com aquela turma sem ele. Quando pisou pela primeira vez na cidade, não conhecia ninguém. Até que, em uma noite de festa que ela resolveu parar de se esconder de todos e sair, conheceu alguém que conseguiu mudar tudo. Pra melhor. Graças a ele, conheceu todo mundo. E também teve os melhores momentos de sua vida. Mas depois de um tempo viu que ela podia ser muito mais... sem ele. E parece que ele também não fazia tanta questão. E assim foi. Agora ela não tem mais nenhuma certeza, mas as dúvidas tornam tudo mais misterioso e divertido.

Seu pé dói. Culpa dos sapatos novos. O frio é imenso, mas parece que a preguiça de levantar e ir pegar mais um cobertor é maior. Ela quer dormir, mas quanto mais pensa nisso mais difícil fica.
Beatriz fecha os olhos e se concentra apenas na própria respiração, seguindo o conselho que sua mãe sempre lhe dava quando era pequena. Começa então a se lembrar da mãe. Faz muito tempo que não a vê. A saudade com certeza é o maior preço da independência. Mais uma vez, afasta os pensamentos e tenta dormir.

Alguém grita o nome de Beatriz no portão. Ela pensa que faz parte de algum sonho e continua de olhos fechados. Ouve seu nome outra vez. Então se dá conta de que é real. Seu coração dispara. Ela sabe quem é. Todo o frio que sentia há alguns segundos desaparece. Permanece parada. Pensa que talvez ele desista e vá embora. Mas não. Ouve o portão se abrindo. Não acredita que depois de tudo ele ainda tem coragem de ir até sua casa. Ela sente que não pode permitir tal atitude. Afasta os cobertores e levanta da cama. Descalça, caminha até a sala. Desembaça o vidro da janela para ver o lado de fora. Lá está ele, com o mesmo olhar de sempre. E a mesma cara de pau também. Abre a porta, porque parece ser o certo a fazer.

-Oi, Bia.

-André, achei que você tinha me devolvido a chave

-O portão estava aberto, juro. Posso entrar?

-Pra que? Pra ir embora de novo quando amanhecer?

-A gente não pode nem conversar? Tô com saudade... Eu te vi na festa hoje, você tava muito linda.

-É, eu te vi também. Com aquela Fernanda.

-Ah... ela nem é daqui, e foi embora super cedo. Você também, aliás. Lembra quando a gente ia no mirante e ficava lá até o sol nascer?

-Sim, eu lembro. Mas por que a gente tá falando disso agora mesmo?

-Você não muda, né? Quem vê você agora pensa que é de um jeito, mas eu conheço melhor que todo mundo.

-Até parece

-Eu fui o primeiro, não foi?

Ela hesita em responder. Mas é a verdade, e ele sabe disso. Então não adianta nada.

-Seu silêncio diz tudo

-André, é melhor você ir agora. Eu tô cansada.

-Tudo bem, Biazinha

Ele vai embora. Beatriz até estranha ele ter ido sem insistir. Percebe então que a insistência, sentimento que fazia o que os dois tinham dar certo deixou de existir completamente. Ele insistiu pra ela dizer sim. Ela insistiu muito pra conseguir tempo pra ele. Agora estava comprovado: nenhum dos dois fazia questão. Então Beatriz volta para cama. Mas antes, não só pega mais uns cobertores como também liga o aquecedor. Chega de passar frio.